REGISTRO (SP) — Criada para valorizar a cultura do chá no Vale do Ribeira, a “Rota do Chá- Registro” completou 10 anos reunindo produtores, especialistas, pesquisadores e visitantes em uma imersão histórica e cultural que reafirma a cidade como a “capital brasileira dos chás finos”. O evento, que dura quatro dias e percorre propriedades tradicionais, oficinas, trilhas e degustações, simboliza o renascimento da teicultura no país e projeta o Vale novamente no mapa nacional do Camellia sinensis.

A trajetória do chá no Vale do Ribeira

O cultivo do chá no Vale nasceu no início do século XX, impulsionado por famílias de imigrantes japoneses. A combinação entre Mata Atlântica, clima úmido e técnicas trazidas do Japão transformou Registro, nas décadas seguintes, no maior polo produtor de chá do Brasil.

Nos anos 1980, a região chegou a ter mais de 40 fábricas e 1.500 produtores. O quadro mudou rapidamente após a crise da década de 1990 e o fechamento da Cooperativa Agrícola de Cotia, que levou à desativação de maquinários, ao abandono de chazais e colocou em risco uma tradição histórica.

Três décadas depois, a cultura renasce.

“O sítio ficou parado por 25 anos. Em 2017, retomamos a produção e decidimos fazer diferente: um chá artesanal, agroflorestal, sustentável”, conta Miriam Yamamaru, do Sítio Yamamaru, que cultiva chá consorciado com palmito-juçara em sistema agroflorestal — integração que reforça o vínculo com a Mata Atlântica e garante sombreamento natural.

Famílias guardiãs e um terroir que só existe no Vale

O renascimento do chá no Vale do Ribeira passa por famílias que, há décadas, preservam técnicas, saberes e modos de cultivo que moldaram a identidade da região. Entre elas está a Família Amaya, que iniciou a produção em 1936 e hoje mantém a última grande fábrica de chá preto em operação no Brasil, preservando maquinários históricos, métodos tradicionais de processamento e um legado que atravessa gerações.

“O nosso terroir é exclusivo, é único, só aqui que tem — carrega o sabor da Mata Atlântica, do solo e da história das famílias. Quando vai apreciar nosso chá, é diferente de todos os outros, porque é característica da região”, afirma Milton Amaya, ao destacar a combinação entre fatores naturais e práticas humanas que moldam a identidade sensorial do chá produzido no Vale do Ribeira. 

Terroir, explicam os produtores, é justamente esse conjunto de elementos ambientais e culturais que influencia aroma, textura e personalidade de cada folha colhida na região.                      

O circuito da Rota do Chá também inclui o Sítio Shimada, responsável pelo tradicional Oobaatian, o “Chá da Vovó”. A família cultiva e processa pequenas quantidades de forma artesanal, mantendo viva a técnica herdada de antepassados e valorizando o chá como expressão de memória e afeto.

No Sítio Yamamaru, o cultivo do chá ganhou uma nova roupagem com a adoção do sistema agroflorestal — que integra o chá ao palmito-juçara sob a sombra da Mata Atlântica. A técnica sustentável, pioneira na região, valoriza o solo, preserva a biodiversidade e já rendeu reconhecimento nacional à produção artesanal da família.

 

A Rota do Chá: imersão sensorial, técnica e histórica

Criada em 2015 por Yuri Hayashi, da Escola de Chá Embahú, e pela consultora Renata Acácia Gomes, da Infusorina, a Rota do Chá surgiu para aproximar o público da história e das famílias produtoras do Vale do Ribeira. Desde então, o evento deixou de ser apenas um roteiro temático e se consolidou como um dos principais atrativos do turismo rural paulista.

A Infusorina, que participa desde a primeira edição, assumiu a organização do projeto e ampliou sua estrutura ao longo dos anos. Com inscrições sempre disputadas, a iniciativa cresce a cada nova edição e se tornou uma vitrine do renascimento da teicultura no Vale — destacando a força da tradição japonesa, a inovação no campo e o papel das famílias que mantêm viva a cultura do chá na região.

O roteiro inclui:

  1. visitas às propriedades Amaya, Shimada e Yamamaru;
  2. colheita manual de folhas;
  3. oficinas de processamento artesanal e técnicas japonesas;
  4. debates com especialistas;
  5. trilhas e contato direto com o cultivo;
  6. degustações guiadas.

 “A Rota do Chá é uma imersão. São quatro dias visitando as famílias, processando o chá e vivenciando a história de quem mantém essa tradição viva. Valorizando cada vez mais, esse ‘ouro líquido’ que a gente tem aqui na região. [A Rota] é um evento criado para valorizar o chá no Vale do Ribeira e as famílias produtoras”, afirma Renata Acácia Gomes.

Para Yuri Hayashi, o impacto é visível:

“A ideia sempre foi divulgar o chá brasileiro que há dez anos, não era conhecido nem valorizado. Quando vim aqui, em 2015, visitar o chazal, me encantei. Então pensei: o que poderia fazer o brasileiro gostar de um chá que ele não conhecia? Visitar. Porque, quando a gente visita, vive uma experiência que não encontra em lugar nenhum. Foi muito marcante. Eu disse: é isso, é isso que precisamos fazer para as pessoas gostarem do chá. Hoje, o Vale do Ribeira é parada obrigatória para quem quer entender essa cultura.”

Chá como patrimônio, memória e identidade

Para pesquisadores, a força do chá na região vai além da produção agrícola. Durante a edição deste ano, a doutoranda em Memória Social pela Unirio, Cecília Neves, destacou o papel cultural da atividade.

“As famílias preservam o fazer, a memória e a identidade. O chá é patrimônio — mesmo sem o título formal, ele vive na prática”, afirma.

Segundo ela, o renascimento do setor é sustentado pela união entre tradição familiar, pesquisa, inovação e turismo — articulação que a Rota vem fortalecendo ao longo de sua década de existência.

Turismo em alta e impacto regional

A cada edição, turistas de vários estados e também visitantes estrangeiros chegam à região para conhecer o cultivo. Muitos têm contato com um chazal pela primeira vez.

“Eu nunca tinha visto um chazal. É um trabalho que exige amor e paciência. A experiência aqui é gratificante, é outra vida”, conta Alcides, visitante do Rio de Janeiro.

A organização estima que mais de 500 pessoas já participaram presencialmente da Rota ao longo dos anos, número que cresce com a divulgação espontânea feita por visitantes e entusiastas do chá.

O futuro enraizado no passado

Combinando memória, sustentabilidade e inovação, a teicultura volta a ganhar relevância no Vale do Ribeira. Famílias centenárias, novas produtoras, pesquisadores e amantes da bebida constroem um ciclo que reposiciona o Brasil no mapa global do chá — não pela quantidade, mas pela identidade.

No Vale, cada folha, cada oficina e cada xícara servida carrega uma história — e, ao completar 10 anos, a Rota do Chá reforça que a tradição que quase desapareceu hoje floresce com mais força do que nunca.

A volta do ‘Chá Ribeira’

O movimento de retomada também impulsionou o relançamento do Chá Ribeira, marca emblemática Vale do Ribeira e cuja história está diretamente ligada à Família Okamoto, responsável por projetar Registro no cenário nacional do chá nas décadas passadas. Agora, a marca inicia um novo ciclo em parceria com a Amaya Chás, resgatando sua identidade histórica e reaproximando o público de um símbolo da teicultura regional. 

Durante a cerimônia de abertura da Rota do Chá, realizada na última sexta-feira (07/11), no Templo Budista de Registro, um momento histórico emocionou a comunidade: a Amaya, única indústria de chá preto em operação no Brasil, anunciou o relançamento simbólico do Chá Ribeira. 

Os direitos da marca — que fez história no mercado ao longo do século XX — foram adquiridos após negociações com a família Okamoto, detentora da patente e herdeira do pioneiro Torazo Okamoto, que iniciou o cultivo do chá no país. O relançamento trouxe um rebranding completo, com novas embalagens apresentadas em primeira mão aos participantes da edição da Rota, que também puderam provar o preparo do chá na hora. 

“Essa trajetória não pode ser esquecida. Estamos aqui até hoje graças às primeiras mudas trazidas da Índia por Torazo Okamoto. O Chá Ribeira continuará sua história”, afirmou Riogo Amaya, emocionado e agradecendo à família Okamoto pela confiança. 

Com quase 100 anos de tradição, o Chá Ribeira estará de volta ao mercado preservando seu sabor original, mais oxidado, e mantendo as características que o consagraram entre os amantes da bebida. Saiba mais:  https://news.ribeiraplus.com.br/posts/registro-sedia-an-ncio-do-relan-amento-da-marca-hist-rica-ch-ribeira-durante-a-rota-do-ch.php 

 

Fotos: Dalton Felipe e Gabriel Albernaz

Fontes: Escola de Chá Embahú / Infusorina / Amaya Chás